segunda-feira, 16 de agosto de 2010

NEM TODOS OS ATOS DO HOMEM SÃO ATOS HUMANOS

Antigamente eu me sentia frustardo por ver o mundo de um modo que as pessoas não viam, não entendiam e - mais do que tudo - ignoravam.

Me sentia frustrado por não conseguir fazer as pessoas verem as coisas de outra forma. Não queria que elas mudassem de opinião, mas que entendessem o meu ponto de vista. Afinal esse era meu esforço espontâneo e inconsciente para entender melhor o mundo ao meu redor: enxergar as coisas por outro ponto de vista que não fosse o meu.

Funcionava para mim mas não para as pessoas e elas, à mingua de maiores conhecimentos, à mingua de leitura mais ampla, à mingua da prática de discutir pontos de vista pelo simples prazer de trocar idéias, me rotulavam de intolerante (porque eu não pensava como elas o intolerante era eu) e de querer convencê-las a pensar com o eu.

Até hoje eu tenho que ouvir de algumas pessoas que eu não acredito em deus, que eu sou ateu ou coisa do gênero, só porque minha visão de deus é espinosiana. Agora, pergunte a qualquer pessoa como Espinosa acreditava em deus e poucos saberão responder. Eu acredito em deus mas não acreditar é relamente relevante? Por exemplo: acreditar em deus não assegura que você goste dele como no caso dos satanistas tradicionais que acreditam em deus mas acham a sua figura desprezível e má! 

Por isso eu sempre entendi que para se aprender a manter o raciocínio íntegro e manter a autoestima quando se nada contra a maré, o melhor amigo para conversas é o livro. Nele você nota que não está só em seus pensamentos e que há quem consiga estar acima da mediocridade.


Vez por outra eu falo ou escrevo sobre o porque determinados atos não são mais do que meros instintos ou impulsos ou reflexos ou qualquer outra forma de agir que não é fruto, senão, da natureza animal e não - própriamente - da natureza humana. Aqui vou transcrever apenas um trecho de um livro que pode ser útil para melhor expressar o que eu penso:

"Deixando de lado alguns usos puramente técnicos da palavra ‘acção’ (por exemplo, acção como participação no capital de uma empresa), o núcleo significativo da palavra estriba na produção ou causação de um efeito. A palavra ‘acção’ emprega-se às vezes para falar de animais não humanos (diz-se que a acção das cigarras é benéfica para a agricultura) ou, inclusive, de objectos inanimados (diz-se que a gravitação é uma forma de acção à distância ou que a toda a acção exercida sobre um corpo corresponde uma acção igual de sentido contrário).Mas sobretudo usamos a palavra ‘acção’ para nos referirmos ao que fazem os humanos. Aqui só nos interessa este tipo de acção, a acção humana.

As nossas acções são (algumas das) coisas que fazemos. Na realidade o verbo ‘fazer’ cobre um campo semântico bastante mais amplo que o substantivo ‘acção’. O latim distingue o agere do facere (aos quais corresponde em português agir e fazer). Ao substantivo latino actio, derivado de agere, corresponde o substantivo acção. Assim, até de um ponto de vista etimológico, ‘acção’ só carreia a carga semântica de ‘agir’ e não propriamente de ‘fazer’.Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma acção. Enquanto dormimos realizamos muitas coisas: respiramos, suamos, damos voltas, apertamos a cabeça contra a almofada, sonhamos, talvez ressonemos alto ou falemos em voz alta ou andemos sonâmbulos pela casa. Todas estas coisas as realizamos inconscientemente, enquanto dormimos. Realizamo-las mas não damos conta delas, não temos consciência de que as realizamos. A estas coisas que fazemos inconscientemente não lhes vamos chamar acções.Vamos reservar o termo ‘acção’ para as coisas que realizamos conscientemente, dando-nos conta de que as fazemos. Há, no entanto, coisas que fazemos conscientemente, dando-nos conta delas, mas sem que à sua realização corresponda uma intenção nossa. Damo-nos conta dos nossos ‘tiques' e de muitos dos nossos actos reflexos, mas realizamo-los involuntariamente, constatamo-los como espectadores, não os efectuamos como agentes. (A palavra ‘agente’ é outra das palavras derivadas do verbo latino agere). Por algo que sentimos depois de comer damo-nos conta de que estamos a fazer a digestão. Mas fazer a digestão não constitui (normalmente) uma acção. Pelos sorrisos dos que nos observam damo-nos conta de que estamos a ser ridículos. Mas ser ridículo (praticar actos ridículos) não é uma acção, mas uma reacção, algo que nos passa despercebido e que lamentamos (a não ser que o façamos de propósito, como provocação; neste caso já seria uma acção). Também não chamamos acção a esses aspectos da nossa conduta de que nos damos conta, mas que não efectuamos intencionalmente. No presente estudo limitar-nos-emos às acções humanas conscientes e voluntárias, às que daqui em diante chamaremos acções (sem mais).Uma acção é uma interferência consciente e voluntária de um homem ou de uma mulher (o agente) no normal decurso das coisas, que sem a sua interferência haveriam seguido um caminho distinto do que por causa da acção seguiram. Uma acção consta, pois, de um evento que sucede graças à interferência de um agente e de um agente que tinha a intenção de interferir para conseguir que tal evento sucedesse."

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