Em função do comentário do Flávio, do Arguta Café, ao meu post anterior, achei por bem criar um novo post.
Fui criado numa família cristã e educado num colégio de freiras. Durante muito tempo eu também fui católico e dois episódios envolvendo religião em minha infância e pré-adolescência marcaram minha visão sobre tolerância.
1º evento:
O primeiro fato se deu ainda em tenra idade quando eu estava nos primeiros anos do antigo primário. Um amigo (que, ainda criança, já era muito talentoso em desenho) e eu estávamos fazendo caricaturas de Jesus e alguma outra brincadeira relacionada a Deus. Fomos pegos em flagrante por uma freira que nos codnuizu à diretora. O meu amigo cujos pais, comerciantes do ramo textil e doadores de verbas para a igreja, levou uma bronca leve e foi dispensado. Já, eu, vi minha mãe ser chamada na escola e tomei um sabão junto com ela pela "troça" que eu fazia de Deus e blá,blá,blá...Após um belo puxão de orelha, minha mãe me fez ir a igreja para me confessar. Afinal, eu havia ferido o primeiro mandamento: "Honrar a Deus sobre todas as coisas."
Lá chegando, dei início à confissão e após discorrer sobre qual foi o pecado ouvi, surpreso, à indagação do padre: "Filho, você tem pai?", respondi "Sim, padre." E ele continuou: "Ele brinca com vc e vc brinca com ele?", e eu respondi "Sim, padre" Ele ainda insistiu: "Mas ele ou você ficam ofendidos um com o outro por causa disso?", e eu respondi "Não, padre, não ficamos não!" Foi aí que então ele arrematou: "Pois é, filho. Assim é Deus. Ele é nosso pai. Tem para conosco mais amor e mais carinho do que possamos conceber. Ele sabe que você, uma criança, ao brincar com ele não é mais do que aquilo que você mesmo já faz em família. Não há o que perdoar. Voltem em paz para casa e se alguém lhe chamara atenção algum outro dia, diga que eu lhe disse isso."
2º Evento
No início dos anos 80 havia uma grande magazine nos fundos do Teatro Municipal de São Paulo, ali entre o Paissandú e a Praça Ramos de Azevedo, cujo nome eu não me recordo mais e que vendia roupas de grife.
Em sua fachada, junto ao nome da loja, havia uma grande ilustração de uma figura de braços abertos e sorridente que lembrava Jesus.
Ao seu lado havia o slogan: "Vinde a mim os jovens."
A primeira vez que eu vi a tal loja, essa ilustração e essa frase (parafrasenado aquela pretensamente dita por Cristo: "Vinde a mim as criancinhas.") eu falei para o homem que estava ao meu lado: "Isso parece a imagem de Jesus." E ele respondeu: "E é mesmo." Eu logo fiquei ofendido: "Oras, como pode alguém fazer uso da imagem do nosso senhor assim, numa loja, para comércio? Isso é um desrespeito!", sentenciei. E esse homem disparou em tom grave com aquele acento italiano que lhe era peculiar: "Antonio, todo aquele que não está preparado para respeitar a liberdade de expressão não está à altura de exigir respeito à sua crença."
O homem em questão era outro padre que estava nos guiando em alguma tarefa no Centro da Capital Paulista. Nessa época eu tinha uns 12 anos e pertencia a um grupo chamado Legião de Maria. Nessa época eu era coroinha e queria ser padre. Na verdade não entendi bem o que ele queria dizer com a observação que fez mas me calei e essa frase ressurgiu em minha mente quando ingressei na faculdade de Direito e passei a estudar Direito Constitucional descobrindo o que era liberdade artística e de expressão e que esse direito fundamental estava assegurado a todos em pé de igualdade ao de liberdade religiosa. Só aí eu entendi as palavras daquele padre.
Hoje não sou mais cristão e faço minhas as palavras daqueles dois padres para as pessoas que, tal como mencionou o Flávio, sintam sua sensibilidade religiosa ofendida por inócuas manifestações artísiticas ou de pensamento.
Afinal, hoje sei que a intolerância começa assim, com sensibilidades feridas por inócuas manifestações artísticas ou de pensamento envolvendo referências religiosas alheias...
Pois é, intolerância é um problema grave ...
ResponderExcluirE falando de lembranças de infância, me veio à mente aquele episódio no colégio em que um amigo cobriu o outro de porrada só porque ele havia desenhado a mâe do cara nua, de pernas abertas e pedindo para ser comida ...
Sujeitinho intolerante ...
Quando expressei a minha não-crença nos "amigos imaginários" no meu blog, bati recorde de mediocridade entre os leitores.
ResponderExcluirFrequentei a igreja durante toda a minha infancia e adolescência e, naquela época as pessoas da igreja diziam que os cristãos sofriam com o preconceito. Mas hoje vejo que é o contrário. Os não-cristãos, não-religiosos, por serem minoria, é que sofrem preconceito.
Se você fizer uma menção de que não crê, não concorda, é represália, na certa.
De qualquer forma, admirei muito as intervenções dos dois padres.
Flávio, ainda que os dois exemplos não nutram relação alguma entre si, o episódio do amigo que soca o outro em função do tal desenho é mesmo intolerância. Cada pessoa tem o direito de desenhar o que queira (e na prática é isso que ocorre com os cartunistas)e se extrapolar seu direito à liberdade artística ou de expressão por certo será responsabilizado civilmente, porque se crime fosse (injuria) caberia transação penal.
ResponderExcluirDaí que fico admirado quando percebo quem, direta ou indiretamente, se ressente daqueles que apenas exercem seu direito: assim como eu não posso privar ninguém de cultuar o que quer que seja, também não posso privar ninguém de exercer livremente seu pensamento e seus dons artísticos.
Pois é Lady,
ResponderExcluirTambém eu deixei de ser cristão. E me apercebo que, não raramente, sou vitimado com esse tipo de "preconceito".
No Brasil "respeitar" tem dois pesos e duas medidas. Aquele segundo padre, salvo engano, foi perseguido noutro país por ser religioso. E foi perseguido aqui, na época da ditadura, por expressar opiniões contrárias aos militares.
Ambos os padres (e olha que eu pessoalmente não gosto de padres) conseguiram atingir o cerne da questão: ignorância e preconceito são a mãe e o pai da intolerância.
Quem respeito a um direito (liberdade de culto religioso) deve saber respeitar os direitos alheios (dentre os quais está o de liberdade de expressão).
Gostemos ou não, assimé que são as coisas.